domingo, 13 de janeiro de 2008

A inutilidade da infância

de Rubem Alves


O pai orgulhoso e sólido olha para o filho saudável e imagina o futuro.

- Que é que você vai ser quando crescer?

Pergunta inevitável, necessária, previdente, que ninguém questiona.

- Ah, quando eu crescer, acho que vou ser médico!

A profissão não importa muito, desde que ela pertença ao rol dos rótulos respeitáveis que um pai gostaria de ver colados ao nome do seu filho ( e ao seu, obviamente )... Engenheiro, diplomata, advogado, cientista...

Imagino um outro pai, diferente, que não pode fzaer perguntas sobre o futuro. Pai para quem o filho não é uma entidade que "vai ser quando crescer", mas que simplesmente é, por enquanto... É que ele está muito doente, provavelmente não chegará a crescer e, por isso mesmo, não vai ser médico, nem mecânico, nem ascensorista.

Que é que seu pai lhe diz? Penso que o pai, esquecido de todos "os futuros possíveis e gloriosos" e dolorosamente consciente da presença física, corporal, da criança, aproxima-se dela com toda a ternura e lhe diz: "Se tudo correr bem, iremos ao jardim zoológico no próximo domingo..."

É, são duas maneiras de se pensar a vida de uma criança. São duas maneiras de se pensar aquilo que fazemos com uma criança.

Eu me lembro de uma daquelas propagandas curtinhas que se fizeram na televisão, por ocasião do ano da criança deficiente, para provar que ainda havia alguma esperança, para dizer que alguma coisa estava sendo feita. E apareciam lá, na tela, as crianças e adolescentes, cada uma excepcional a seu modo, desde Síndrome de Down até cegueira, e aquilo que nós estávamos fazendo com eles... Ensinando, com muito amor, muita paciência. E tudo ia bem, até que aparecia o ideólogo da educação dos excepcionais para explicar que, daquela forma, esperava-se que as crianças viessem a ser úteis, socialmente... E fiquei a me perguntar se não havia uma pessoa sequer que dissesse coisa diferente, que aquelas escolas não eram para transformar cegos em fazedores de vassouras, nem para automatizar os mongolóides para que apredndessem a pregar botões sem fazer confusão... Será que é isto? Sou o que faço? Ali estavam crianças excepcionais, não-seres que virariam seres sociais e receberiam o reconhecimento público se, e somente se, fossem transformados em meios de produção. Não encontrei nem um só que dissesse: "Através desta coisa toda que estamos fazendo esperamos que as crianças sejam felizes, dêem muitas risadas, descubram que a vida é boa... Mesmo um excepcional pode ser feliz. Se uma borboleta, se um pardal e se uma ignorada rãzinha podem encontrar alegria na vida, por que não estas crianças, só porque nasecram um pouco diferentes...?"

Gonzaguinha

Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis
Assim eu sou feliz

Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto pra dormir e sonhar

E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa, sempre é as marcas
Das lições diárias
De outras tantas pessoas

E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente
Onde quer que a gente vá

E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho
Por mais que tente estar

É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão
Na palma de nossas mãos

E é tão bonito quando a gente vai a vida
Nos caminhos onde bate
Bem mais forte, o coração.