quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Dos tempos da faculdade...

Aquela música que lembra muito Maria Cristina, Georgia, saraus da faculdade... Saudades!

Minha casa
(Zeca Baleiro)


É mais fácil cultuar os mortos que os vivos
Mais fácil viver de sombras que de sóis
É mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro.

Não quero ser triste
Como o poeta que envelhece lendo Maiakovski na loja de conveniência
Não quero ser alegre
Como o cão que sai a passear com o seu dono alegre sob o sol de domingo
Nem quero ser estanque
Como quem constrói estradas e não anda
Quero no escuro
Como um cego tatear estrelas distraídas.

Amoras silvestres no passeio público
Amores secretos debaixo dos guarda-chuvas
Tempestades que não param
Pára-raios quem não tem
Mesmo que não venha o trem
Não posso parar.

Vejo o mundo passar
Como passa uma escola de samba que atravessa
Pergunto onde estão seus tamborins
Pergunto onde estão seus tamborins
Sentado na porta de minha casa
Na mesma e única casa
A casa onde eu sempre morei.


Empolguei e vou postar outra do Zeca Baleiro...


Bandeira

Eu não quero ver você cuspindo ódio
Eu não quero ver você fumando ópio
Pra sarar a dor.
Eu não quero ver você chorar veneno
Não quero beber do seu café pequeno
Eu não quero isso, seja lá o que isso for.

Eu não quero aquele,
Eu não quero aquilo
Peixe na boca do crocodilo
Braço da Vênus de Milo acenando tchau.

Não quero medir a altura do tombo
Nem passar agosto esperando setembro
Se bem me lembro
O melhor futuro é este hoje escuro
O maior desejo da boca é o beijo
Eu não quero ter o Tejo me escorrendo das mãos.

Quero a Guanabara
Quero o Rio Nilo
Quero tudo ter
Estrela, flor, estilo
Tua língua em meu mamilo, água e sal.

Nada tenho, vez em quando tudo
Tudo quero, mais ou menos quanto
Vida, vida,
Noves fora zero
Quero viver, quero ouvir, quero ver.

Nada tenho, vez em quando tudo
Tudo quero, mais ou menos quanto
Vida, vida,
Noves fora zero.
Se é assim, quero sim.
Acho que vim pra te ver.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Confissão

Cecília Meireles

Na quermesse da miséria,
fiz tudo o que não devia:
se os outros se riam, ficava séria;
se ficavam sérios, me ria.

(Talvez o mundo nascesse certo;
mas depois ficou errado.
Nem longe nem perto se encontra o culpado!)

De tanto querer ser boa,
misturei o céu com a terra,
e por uma coisa à toa
levei meus anjos à guerra.

Aos mudos de nascimento
fui perguntar minha sorte.
E dei minha vida, momento a momento,
por coisas da morte.

Pus caleidoscópio de estrêlas,
entre cegos de ambas as vistas.
Geometrias imprevistas,
quem se inclinou para vê-las?

(Talvez o mundo nascesse certo;
mas evadiu-se o culpado.
Deixo meu coração - aberto,
à porta do céu - fechado.)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Sonhei

Lenine


Sonhei e fui, sinais de sim,
Amor sem fim, céu de capim,
E eu olhando a vida olhar pra mim.

Sonhei e fui, mar de cristal,
Sol, água e sal, meu ancestral,
E eu tão singular me vi plural.

Sonhei e fui, num sonho à toa,
Uma leoa, água de Goa,
E eu rogando ao tempo: - Me perdoa
E eu rogando ao tempo: - Me perdoa

Sonhei pra mim, tanta paixão,
De grão em grão, verso e canção,
E eu tentando nunca ouvir em vão.

Sonhei, senti, sol na lagoa,
Céu de Lisboa, nuvem que voa,
E um país maior que uma pessoa.

Sonhei e vim, mares de Espanha,
Terras estranhas, lendas tamanhas,
E eu subi sorrindo esta montanha.
E eu subi sorrindo esta montanha.

Sonhei, enfim, e vejo agora,
Beijo de Aurora, ventos lá fora,
E eu cantando a Deus e indo embora.
E eu cantando a Deus e indo embora.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Despedida

Rubem Braga


E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil. Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.