Nem tenho a ilusão de que alguém tenha paciência pra ler este poema inteiro. Mas como eu o amo, nunca o encontro e acabei de achá-lo em um disquete que logo não funcionará, é minha oportunidade de arquivá-lo.
O CÓRREGO E A FLOR
I
Um pouco do meu sangue
Escorre nas linhas firmes
Da tristeza sem igual,
Uma tristeza manchada,
Mas brilhante.
Aqui é o lugar onde
O passado se move
Com passos derretendo
Em poças de espelho
Trazendo a história de um amor
Insensato, como as esperanças
Existentes nas pupilas
Dos cães danados.
Desço no porão da morte
E o tapete de insetos azuis
Acaricia meus pés sujos.
O manto de sombra
Cobre meu corpo
Como o frio dos caixões.
São os dias em migalhas
Diante das lembranças
Do teu corpo.
Teu hálito entregue como
Doação à minha alma,
Recendendo esperança
Em cânticos eternos.
II
Te encontro dentro da esfera
E firmo-me em tua ausência
Sinto o pulo covarde
Do meu coração perdido
Por saber que tua mão
Não cabia dentro das minhas.
Dor dentro da dor,
E era apenas você,
Mas eu morri demais
Para encontrá-la.
Este cadáver que adere
Sobre os pêlos do peito
E faz-me lembrar do
Vento caminhando vacilante
E trazendo no dorso
As tristezas do brilho escuro
De todas estações.
Já gastei todas minhas vidas
No avesso dos dias,
E tenho, agora, os ásperos
Anúncios da tua voz
Amaldiçoando-me pela
Débil luz que chega
Da estrela morta.
Mas tenho fé no amor
Que une os humilhados
Mendigos do amor.
Já gastei todas minhas vidas
No avesso dos dias,
E tenho, agora, os ásperos
Anúncios da tua voz
Amaldiçoando-me pela
Débil luz que chega
Da estrela morta.
Mas tenho fé no amor
Que une os humilhados
Mendigos do amor.
III
São pedaços que exalam
Ilusões petrificadas
Em ilusões.
Meus antepassados mexem
Nas tumbas e erguem para
Caminharem através dos corredores
Dos ventos presos à escuridão.
Minha amada, tu desfaleces,
E não posso te conter,
Pois meus braços, embora fortes,
Estão rígidos pela geadaDe sonhos loucos.
Sofro demais e trago as manhãs
Da minha adolescência
Em que dei às outras mulheres
O que sempre foi teu.
E o mais doloroso não foi
A entrega da carne,
Mas das ilusões que seriamVerdadeiras junto a ti.
IV
A luta é amar, amar até
Desamar. . .
Amar tudo e todos.
Aproximar o ódio do amor,
E assim viver abundantemente.
A chuva quando cai
Transforma-se em flores
E, depois, em lâminas para ceifar
As mesmas flores.
Nossos filhos choram
Por perceberem que
Sentimos fome de
Palavras de relâmpagos.
Que a carência do toque
Lírico nos faz ser grandes
De abandono e solidão
Devido à lembrança
Do morto sonho.
V
Sei que a vingança
Paira sobre os campos
De violetas.
Sei que a vingança
Paira no fruto
Bicado pelos pássaros
De asas de fogo.
Sei que a vingança
Está em teu olhar e
Se dará através das invocações
Poderosas, inspiradas
Pelas feiticeiras que habitam
O estômago das matas virgens.
Mas o momento se aproxima
E te amo!
Pois sei que a vingança
É tua forma de aproximar
O ódio do amor.
Tudo sendo engolido
Como as distâncias.
Sou ruína e ninguém
Atreve-se a remover as
Pedras, os utensílios e os
Soterrados corpos
Esmagados que espantam
As aves de rapinas.
VI
Às vezes sinto o galopar
Do futuro na tua respiração
A quilômetros de distâncias e
Na saliva que tua língua traz
E entrega ao meu paladar.
O futuro certo que se fez
No incerto passado.
Ah amada, quero dar-lhe
Meu sonho em sacrifício,
Dizer que não a tenho mais,
E ver que tudo naufragou.
E as asas da minha alma
Foram decepadas e entregues
Aos pássaros negros.
É chegada a hora... e o tempo
Terminou... e continuará sempre.
As águas na superfície
São agitadas, mas nas profundezas
Há uma população de silêncio.
Quando solta-se o rugido de ira
O peito se esvazia, emudece
O interior do ser sofrido.
Sou vazio, sou transbordante.
Sou dor, sou alegria incontida.
Meus joelhos dobram-se,
Mas os braços estão erguidos
Em busca do infinito.
VII
Não quero ser tomado pelo sono
Quero meus olhos como janelas
Abertas para as formas,
Cheiros, texturas e sabores.
Mas também quero receber
A noite, quando vier,
Abraçando seu corpo suave e
Quente e encontrando minha face
Em sua face fria.
Entregar-me em seus sonhos
Ardentes, descer através de suas
Escadas escorregadias
Que trazem as sombras... Ah, doce noite dos mortos!
Sombras que são seres
Com corpos remendados,
Implorando quem queira
Receber seus sentimentos em
Estado de putrefação.
A liberdade para partida
É desistir desse fardo de sentimentos
Que contém esses fragmentos
Mortos que causam sofrimentos.
Temos que enterrar nossos mortos
Esquecê-los sob a terra
E cultivar um jardim de rosas
Brancas, vermelhas e lilases,
E, num canto maior, semear
Sementes de trigoPara transformar carne em pão.
VIII
Naquela morada do passado
Onde o sol luarento
Dissolvia os telhados de cristais,
A muralha de montanhas
Oferecia a névoa aos olhos.
Só isso posso,
Como aquelas montanhas,
Te oferecer: - névoa!!!
Porque sou incorpóreo.
Poderei apenas lhe pagar minha
Dívida em sonho, em cantiga,
Em estrela, em amor.
Ou em amanhecer ou anoitecer.
Nada mais posso oferecer.
Talvez sejam os últimos versos
De névoa que arranco do
Meu ventre através da porta
Do peito, porque é toda canção
Que sei entoar!
É um canto em corpo
Que existe na ausência
Contida no sopro do vento,
Que desvirgina as árvores
Em sua primeira floração.
IX
Surge tua forma na noite
Em que estou.
Tua forma com todas as delicias
Do inferno.
As veias vibram e a embriaguez
Retira os pés do chão.
E assim como viciado o suor frio
Vasculha o recente e remoto passado.
Ainda floresce em cantos,
Ainda rompe em correntezas.
Tudo parece não existir mais,
Porém tantos são os vestígios.
Principalmente, o amor em ódio,
O leve toque das mãos
Que transforma-se em bofetadas.
O olhar profundo como pétalas
Que transforma-se em punhais mortais.
O paladar de néctar
Que transforma-se em fel amargo.
Eis as provas maiores
Da existência desse amor.
E isso é tudo.
Juntos fizemos um desvio
Na rota do destino.
Mas nada deixa de existir
Os caminhos estão ali
Com nossas pegadas
Indelevelmente impressas.
X
Cavo teu ventre com minhas
Mãos rudes de lavrador
E os filhos que deveríamos ter
Estão chorando pela orfandade.
Já não posso evitar de virar
As costas e partir
Com o olhar de marinheiro,
Que deixa em cada cais
O amor de sua vida, e assim
Lamenta, mas é inevitável
A partida.
Fica para traz a história
E surge jazigo de beijos.
Só as silhuetas da noite
Retorcem em minhas mãos.
Tenho que partir... mas...
Pressinto que para onde vá
Estarás me esperando
Para entregar-me o doce
Mel do teu sexo.
Pressinto o crepúsculo
Em cópula com a aurora.
Pressinto um adeus
Metamorfoseando em dia
De festa em que eu,
O amante pródigo,
Receberei o teu corpo
Em banquete.
XI
As colinas enterradas
Nas memórias dos séculos
Estão agitadas pelos passos
Do presente na avenida
Com seus habitantes gigantescos
De olhos e bocas retangulares.
A luz cinza da cidade
Não tirou o brilho profundo
Contido em teu olhar
Que desvenda as eras mais remotas.
Aquela cidade sentia a paz
E nos banhava os corpos
Com o mais lindo entardecer,
Mesmo sabendo da tua partida.
Num momento nos disse,
Na respirações dos seus prédios,
Que prendêssemos na retina
Uma parte da nossa história
Nas calçadas da suas avenidas.
Ficou o sol manchado
E na noite e no dia vejo o sofrimento
Dos seres metropolitanos que,
Naquele dia mágico, deixam
Escrito nas intermináveis
Paredes do poluído ar
Suas dores silenciosas.
Passamos rapidamente
Com nossa paixão pulsando,
Mas ouvimos os soluços dos muros
E as esfaceladas sombras dos maltratados
mesmo na maior das avenidas.
XII
As fogueiras ainda estão acesas
Trepidando suas chamas ardentes
Que incineram a magia do sonho.
Dois seres malditos
Põem-se a descer pelas ruas
Lúgubres e fétidas que conduzem
À estação de trem onde
O réptil de aço serpenteia.
Muito perto dali
Encontra-se o domínio
Dos coroados de ódio
Que carregam seus cetros
Com jóias que ferem
As peles do corpo e da alma.
Olho o tato do teu rosto
Que olhou com meus olhos
Com olhos de vaga lume
Aceitando a direção dada
Pelas minhas mãos
Imaculadas pelas paixões
Que resvalam pelo teu corpo
Branco despoluindo
A cidade por onde nosso
Amor voltava a renascer.
XIII
Silêncio
Preso na cúpula do vácuo.
Te perdi outra vez na curva
Do espaço e do tempo.
Só restou o rouco orvalho
Dos teus cabelos,
E a sede nos meus lábios
pela secura da tua real ausência.
Silêncio
Linguagem mais precisa
De Deus que está afogando
Envolto em melodias.
Resta-me descodificar
Os arcanos antigos
Contidos na perfeita união
Dos nossos corpos.
Silêncio
Precipitar mantendo-se inerte
Cegar os olhos
Para ver o invisível
E emudecer os ouvidos
Para escutar as músicas das esferas.
Compor versos na textura
Da neblina do anoitecer
Para tornar-se um Deus.
XIV
Se meu canto é dor
A dor é mais tua
Que suportou o abandono,
Mesmo se cobrindo com
Areia movediça que sufocou
Teu grito, mas eu percebi a dor e
Meus versos perderam a voz.
A tristeza é tua
E agitou quando teus
Olhos apagaram-se
Fugindo da luz para
Não retirar a mortalha que
Revestia o corpo do companheiro
Morto, que já não cabe
Nestas páginas de branca pureza.
Ah,
Uma vastidão de tristeza aérea
Como um punhal alado
Cortando a noite
E expulsando os astros noturnos.
E a cigarra muda
Abandona seu canto após
Despedir-se do córrego encarcerado
No concreto da avenida,
Por querer se manter ao lado
Da flor de laranjeira
lançada, num dia de sol, Sobre sua margem.
XV
Meu sonho não deve ser visto
Sobre a manhã impercebida
Pelos primeiros pássaros.
Os versos que ainda componho
É o grito preso no vácuo
Ou o eco que morreu nas
Frestas da montanha.
Devo dizer o último adeus
Com as mãos decepadas e
Os olhos arrancados.
Eu que a beijei tantas vezes
Em tão pouco tempo.
Ainda sinto
Tua boca úmida no prazer
Sob o céu infinito.
A lua está em sua fase
Minguante e eu a perdi.
Ao longe alguém geme
Em plena agonia
Como se faltasse apenas
O golpe de misericórdia.
Ao longe
Minha voz procura a brisa
Da noite para tocar teu ouvido.
Ah,
Num inicio de noite,
Como esta, a tive em meus braços
E rezei usando meus versos
Diante do altar do teu colo.
E a noite foi dia como
O passado foi presente.
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